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A fazenda na mira do MST


O Rio Grande do Sul não vê nada igual há 25 anos, desde quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ainda não tinha esse nome. Em forma de tridente, colunas formadas por quase 2 mil sem-terra marcham rumo a uma área de cerca de 20 quilômetros de extensão, em Coqueiros do Sul, que pode se transformar no palco do mais impactante conflito agrário da história gaúcha.

É a maior mobilização do MST desde as sucessivas invasões à Fazenda Annoni, então uma das mais extensas do Estado, com 9,5 mil hectares, entre 1982 e 1985, ano em que ela acabou desapropriada.

O alvo é a Fazenda Coqueiros, com 7 mil hectares (a maior do norte do Estado) e não por acaso localizada ao lado da antiga Annoni. A intenção é a mesma de 25 anos atrás: transformar a Coqueiros, pertencente à família Guerra, num mar de pequenas propriedades, unificando sob a bandeira do MST todas as terras situadas entre as duas principais rodovias da região, a BR-386 e a RS-324.

Na sexta-feira, dois grupos do MST, chegaram a cerca de 60 quilômetros da Fazenda Coqueiros. Um, pelo Norte, acampou em Palmeira das Missões. Outro, ao Sul, montou base na localidade de Tio Hugo. O terceiro contingente de sem-terra está um pouco atrasado, em Santa Maria.

A marcha só não progrediu porque está proibida de avançar pelos limites de Carazinho, Santo Antônio do Planalto, Chapada, Almirante Tamandaré do Sul e Coqueiros do Sul - onde fica a fazenda Coqueiros. O veto partiu da juíza Marlene Marlei de Souza, de Carazinho. Os manifestantes juram lutar até o fim para derrubar a liminar concedida pela magistrada.

Caso se aproximem da fazenda, os cerca de 1,8 mil sem-terra encontrarão pela frente mais de 700 ruralistas que prometem ajudar o patriarca da família Guerra, Félix, a impedir a invasão da Coqueiros. O temor de um confronto entre os dois grupos ideologicamente opostos fez com que a Brigada Militar desembolsasse, até agora, exatos R$ 634.347. O valor foi despendido em diárias, transporte, comida e acampamento para mais de 300 policiais que monitoram o avanço dos sem-terra. O comandante da BM, coronel Nilson Bueno, diz que os gastos só cessariam se o MST interrompesse a marcha.

Os sem-terra nem cogitam seguir o conselho até porque já invadiram oito vezes a propriedade desde 2004. A fazenda foi declarada produtiva por técnicos do governo federal, mas o MST insiste na desapropriação por motivos ideológicos e econômicos. Alega que há "interesse social" na medida para assentamento de famílias paupérrimas - e no Ministério da Reforma Agrária tramita um projeto nesse sentido. Diz que é moralmente indefensável alguém ser dono de uma área tão grande. Almeja também as férteis terras dos Guerra, 50% mais valorizadas do que as da Fronteira, por exemplo.

As oito invasões ocorreram a partir de dois acampamentos do MST montados junto à fazenda e que reúnem, cada um, 500 pessoas. A BM aponta que houve um aumento de 154% no número de crimes registrados na região desde a data da primeira invasão. Já os sem-terra acusam os PMs de fazer "segurança particular" para a família Guerra. No entender do MST, ações realizadas pela BM, como a proteção dos funcionários durante o plantio e a colheita de soja e milho, explicitariam essa idéia. O comando da Brigada afirma que se trata de "ações preventivas".

Agora, além dos mil sem-terra acampados junto à fazenda, os Guerra aguardam a aproximação de outros 1,8 mil. O clima é de tensão. Ontem, os sem-terra que estão em um dos dois acampamentos montados junto à Coqueiros jogavam futebol. Perto dali, funcionários dos Guerra transitavam pela fazenda.

Colaborou Marielise Ferreira
CLEBER BERTONCELLO E HUMBERTO TREZZI

Pequeno histórico da luta pela terra no Brasil.

Encruzilhada Natalino - RS - É o berço do MST. Foi neste cruzamento de duas empoeiradas estradas nas proximidades de Ronda Alta que milhares de sem-terra expulsos das reservas indígenas de Nonoai acamparam em setembro de 1979. Dali, realizaram sucessivas invasões. As áreas acabaram desapropriadas pelo governo federal nos anos 80 e entregues aos militantes do MST, que as transformaram em minifúndios.


Fazenda Annoni - Vizinha à Fazenda Coqueiros e desapropriada pelo regime militar nos anos 70, a Fazenda Annoni pertencia a Ernesto Annoni, ex-prefeito de Carazinho. Dos cerca de 9 mil hectares de área, mais de 4 mil eram ocupados com trigo, e outros tantos com 3,5 mil cabeças de gado. Foi desapropriada e loteada em 1985. Advogados dos antigos proprietários argumentaram na Justiça que a desapropriação fora uma vingança política dos militares contra o brizolista Annoni. A família Annoni saiu vitoriosa, e o governo federal já começou a pagar uma indenização de R$ 110 milhões aos herdeiros de Ernesto Annoni. A família quer R$ 642 milhões, e a briga continua.

Eldorado dos Carajás - Em 17 de abril de 1996, integrantes do MST bloquearam uma rodovia que liga Eldorado dos Carajás a Belém (PA). Protestavam contra a demora do governo em desapropriar terras. A PM foi chamada e desalojou os sem-terra a tiros. Morreram 19 agricultores no tiroteio e 69 ficaram feridos. Em abril deste ano, a governadora paraense Ana Júlia Carepa (PT) determinou o pagamento de pensão mensal e indenizações que variam de R$ 30 mil a R$ 90 mil a cada família de sem-terra morto.

Coqueiros - Localizadas em Coqueiros do Sul, as áreas pertencentes à família Guerra somam 7 mil hectares. A área é considerada pelo MST um dos raros latifúndios existentes no norte do Estado e um ponto estratégico por ser vizinha à Annoni e à Encruzilhada Natalino, onde o movimento nasceu. A área foi considerada produtiva pelo governo federal.

Pontal do Paranapanema - É o maior foco de invasões de terra no país. Fica no oeste do Estado de São Paulo. É uma área de terras devolutas, reivindicada tanto por fazendeiros quanto pelo governo estadual. Como muitos fazendeiros ocupam as terras sem possuir documentos, o MST aproveitou a confusão judicial para realizar mais de mil invasões em duas décadas. É o berço de um dos líderes do movimento, José Rainha Jr.

Fonte: Jornal Zero Hora - Porto Alegre - RS.

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1 Comentários

  1. Puxa s�o realmente impressionantes essas informa�es, que nos mostram a que p�s andam as quest�es agr�rias no Brasil: o MST de um lado reivindicando direitos que est�o na Constitui�o ("Todos t�m direito a moradia") - embora pare�a que essas garantias constitucionais sejam mera manifesta�o ideol�gica; e de outro lado os Guerra e tantos outros latifundi�rios - que defendem � todo custo o poder sobre as terras.

    Num pa�s onde a desigualdade � latente e gigantesca, a sociedade � obrigada a aderir a lutas como essas afim de conseguir pelo menos sonhar em algum dia poder ter um peda�o de terra para plantar e sustentar-se e sua fam�lia.

    Devemos ser realmente iguais, verdadeiros e justos, vencendo as meras ideologias... para vida ter sentido!

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