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O Existencialismo e o Mendigo



Leandro Possadagua*

Quando fechei o portão, a cena me causou um misto de assombro e repúdio que me enojaram, um gosto acre de ira me veio à boca e não pude deixar de sentir-me dejeto humano.


Um homem com aproximadamente sessenta anos, comia restos de comida em uma lixeira comunitária que fica em frente a minha casa na periferia de São Paulo. Foi inevitável a lembrança do conhecido poema O Bicho de Manuel Bandeira. Ainda é difícil conceber tal realidade, mesmo estando tão próxima da minha retina. Esfrego os olhos como quem acaba de acordar, na esperança de que tal cena se dissipe, em vão.


Infelizmente, não será a última vez que verei cenas assim. A sensação é de extrema angústia. Quando falo em angústia, não me refiro àquela sentida pela incerteza do porvir, mas àquela narrada pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre.


Se existe uma coisa que amedronta as pessoas no Existencialismo de Sartre, é que o homem é um ser livre, e o fato de ser livre nos impõe a responsabilidade com o todo. No Existencialismo, o homem existe, se descobre, surge no mundo e só depois se define.


A angústia para Sartre é o momento em que temos consciência de nossa própria liberdade. Estamos livres porque “não podemos” confiar em Deus ou em uma sociedade para justificar nossas atitudes. Quando vi aquele homem comendo lixo, a angústia que senti não foi outra coisa, senão minha culpa por aquilo estar acontecendo.


Gostaria muito de não me sentir assim, mas a angústia não conheceu a abolição. Sartre diz que “quando dizemos que não sentimos angústia, é porque a temos disfarçado, pois esse é um sentimento comum a todos os homens...”. Sinto-me culpado não pelo que fiz, mas pelo tenho me omitido em fazer.


O mendigo me fez lembrar a história de Kevin Carter, que ganhou o prêmio Pulitzer de Fotografia em 1994, com a imagem de uma menina que estava se arrastando em direção a um posto de alimentação no Sudão, enquanto se arrasta um urubu a observa, esperando que venha a morte por inanição. A foto foi publicada pelo New York Times. Houve repercussão mundial e isso fez com que pessoas constrangessem Kevin constantemente com as perguntas: “Porque você não ajudou a criança? Porque não fez nada?”. A hipocrisia de quem o interrogava lhe causou tormento pelo resto de sua vida, até o dia em que, depressivo e perseguido por um sentimento que lhe impuseram, a saber, a culpa, Kevin suicidou-se aos trinta e três anos.


Sentia-me de mãos atadas sem nada poder fazer. Ou poderia? Para Sartre, sempre podemos fazer algo. A verdade sobre isso é que o capitalismo nos deu corações de mármore, temos nos transformados em “geladeiras humanas”, sem sentimento uns pelos outros.


O filósofo Blaise Pascal disse, certa vez, “não conseguindo curar a morte, a miséria e a ignorância, os homens esquecem-se de pensar nisso tudo pra serem felizes”. E é por isso que mesmo sendo moralmente falidos, buscamos incansavelmente o divertimento, que é a única coisa que nos faz esquecer quem somos. Quando nos divertimos, nos afastamos de nossa realidade deplorável e podemos ser felizes, mesmo que por instantes. Contudo, todo o divertimento não é o bastante para nos manter longe de nós mesmos.


É... foram segundos de uma viagem introspectiva, e que me fizeram mergulhar novamente em minha realidade. Lembrei-me, com assombro, de que a prova de hoje seria sobre Sartre – O mendigo foi embora e fiquei com a certeza de que ele me ensinou muito sobre Existencialismo. Nem sei se ele sabe o que é isso, mas aprendi com ele a pôr em prática o que aprendo nos livros.




* Leandro Possadagua é acadêmico do curso de história na UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados e bolsista do PROLICEN/UFGD – Programa de Projetos de pesquisa na Licenciatura (texto originalmente publicado aqui no blog em 13/05/2009).

Imagem retirada do blog Emersões - Eduardo Conde: http://eduardo.conde.zip.net/index.html

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7 Comentários

  1. Olá Leandro adorei sua produção!

    Te envio uma metáfora que acredito ter um pouco da essência que você escreveu...

    NOS CAÇUÁS DA EXISTÊNCIA DA VIDA!
    O Ser Integral e suas Interfaces

    Para alguns dependendo da cultura, caçuá, significa zombar do outro, caçuá do outro... Debochar... Na minha terra, nos sítios, Caçuá significa dois depósitos que os animais levavam carregando água.

    Através de metáforas resolvi escrever sobre o sentido da vida, do ser humano e suas inter relações, o que compreendo sobre o novo sentido dado ao CAÇUÁ DA VIDA!

    Nos caçuás que pesam na cangalha do tempo, há um que contém virtudes, amor, solidariedade e outros nobres atributos da humanidade. Neste não há fardo, e sim, só coisas boas que frutificam coisas boas, e por isso só imprimem rastros leves, deixados pelas alpercatas do ser, na sua trajetória existencial.
    Do outro lado, no outro caçuá, ao contrario, o peso das faltas do caráter humano entorta a postura da criatura, caso sua negligência, seu descuido sejam demasiados. Precisamos, portanto, cuidar mais e melhor desse caçuá, para que seu peso não nos açoite e não nos machuque. Precisamos aprumar a sua compostura sócio moral, devemos, pois embiocar no caçuá do coração. Sim, porque o caçuá do coração é o caçuá do bem e ele é seletivo. Nele, não há peso, fardo, mas leveza, pois nos elevam em sentimentos fraternos e de amistosidade verdadeira. E quanto mais escancaramos a caçapa desse caçuá, mais amigos, amigas, aliados, compatriotas adentram em nossa vida, e mais leve, mais nobre, mais especial e mais verdadeira será a nossa missão.
    E nas relações de convivência precisamos nos especializar em algumas áreas fundamentais no cotidiano das nossas práticas, seja de cunho pessoal, profissional, social. Começando por uma delas, devemos nos especializar em Engenharia, pois nela estaremos construindo pontes de amizades, de compreensão, de entendimento, de encontros. Outra nobre especialização é a de Cardiologia, quando atendemos o coração no cuidado para consigo com o outro, nas amizades, das relações de trabalho e também no meio familiar. E em Ginecologia, quando compartilhamos na gestação da nossa família. Pois ela é o nosso celeiro, e é no berço afetuoso das nossas famílias que nos embasamos e nos revigoramos para a vida.
    E seguindo a metáfora, tem uma outra que seria Advocacia trabalhista, a qual tem como missão, resguardar o direito dos colegas de trabalho na relação profissional. Por fim, precisamos nos doutorar em Filosofia, quando se descobre que, só sabemos que nada sabemos, mas que no íntimo do ser, sentimos que tudo é maior, significativo e verdadeiro, quando vivemos na plenitude, em conexão consigo mesmo, com o outro, com a natureza e com o universo. Quando enlaçamos corpo, mente e alma, e entrelaçamos com o mundo, nos tornando seres mais humanescentes. Seres de Luz!

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  2. CONTINUAÇÃO DOS CAÇUÁS DA EXISTÊNCIA DA VIDA!

    Fazendo uso das sábias palavras do excelso filósofo Sócrates, imortalizado ao longo do tempo, por suas ideias e ideais que deram ao pensamento reflexivo nova especulação em torno do homem e aos seus problemas relativos ao bem, a justiça e ao amor. Pelas mãos dos seus discípulos, o mestre helênico disse que: “só os temperantes podem ver o melhor em cada coisa e distingui as coisas, segundo as suas espécies e escolher as boas, e abster-se das más”. Dito pelo avesso, ou seja, de forma contrária: a intemperança afasta os homens da sabedoria que é o maior dos bens.

    Portanto, em nossa missão seja ela qual for, devemos ter o cuidado de observar a inobservância da temperança, pois nada é tão sensível como os sentimentos humanos. Ousei assinalar um pouco e falar aqui para todos vocês o que essa Metáfora significa para mim, pois ao lançar a tinta que escorreu sobre a linha limítrofe da temperança, sabendo que, num minúsculo vacilo numa vírgula mal envergada, poderia todo esse trabalho virar pelo avesso... E esse foi, portanto, o momento do cuidado, do zelo, do respeito a cada um que tiver a oportunidade de ler este texto, enfim, um momento especial, e nele, assinalo o meu entendimento do que compreendo sobre as a Qualidade das Relações em suas múltiplas dimensões, enriquecida pela indispensável Dimensão Espiritual, a qual nos eleva e nos faz acreditar na capacidade de transcendermos as nossas limitações, pois segundo a máxima de Guimarães Rosa, “O mais importante bonito e significativo no mundo e isto, que as pessoas não são sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando”.
    Ao escrever sobre essa temática, percebi o que há de melhor em cada Ser Humano, lapidando a grande obra de arte permanentemente por cada um de nós.

    Essa reflexão nos instiga a perceber a grande importância de exercitarmos, o autoconhecimento, a autoanálise, a autocrítica, a busca interior, em prol do aprimoramento do SER. E mais uma vez, é-me oportuno citar Sócrates, entre seus grandes legados, nos instigou a conhecer a si mesmo, para melhor reconhecer o outro ao qual assistimos, diante do encontro, onde ressaltamos a banda virtuosa das pessoas, enaltecendo seus valores e qualidades, gesto que me parece tão simples, porém de um elevado significado e que mesmo sabendo um tanto tímido nas relações sociais, acredito que será possível sim, transcender nesse ponto, possibilitado através de uma nova consciência ética. Dessa forma, estaremos atuando como verdadeiros seres humanos.

    E nessa temperança, pinto a criança
    Que temos dentro de nós
    Com palavras verbalizadas pela rima
    Que nos anima, e nunca destrói.

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  3. Finalizo dizendo, que toda e qualquer profissão, seja ela qual for, pode ser a cada dia gestada por todos nós, e quando cada um puder fazer o seu próprio parto, estar-se-á enveredando para o mercado, valorizando um novo capital: o CAPITAL HUMANO, mas não para promover dividendos, mas sim, para desafinar o grito da intemperança da desumanização, da separatividade, da ignorância, da falência da razão e do sentido da vida, que tora o galho da esperança dos homens viverem em Paz, e sabemos que esse desejo em cada um de nós é profundo e que um dia possamos gritar para o mundo o silencio de Paz que em todos berra.
    A cada um de vocês, ilustres profissionais de diversas áreas do conhecimento, que não só assume um compromisso profissional, mas estão comprometidos com sua profissão, agradeço desde já, a atenção que me foi dada ao fazer essa leitura. Espero que possamos vivenciar indo em busca de uma nova expectativa, a de chegarmos à uma nova maneira de pensarmos sobre o nosso modo de sentir, pensar e agir perante as nossas relações sejam elas no ambiente do Trabalho, na Família na Sociedade e no Mundo.

    COM CARINHO, APREÇO E AFETO!!!
    LUCILA DE NORONHA

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    1. Obrigado pela metáfora Lucila, sempre bom ler algo desse tipo!

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  4. Somente agora vi essa reportagem... Fiquei feliz pela atenção e apreço. Como citei em meu texto,gesto que me parece tão tímido nas relações sociais hoje em dia... Muito grata a todos vocês. Até um dia quem sabe!

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  5. Somente agora vi essa reportagem... Fiquei feliz pela atenção e apreço. Como citei em meu texto,gesto que me parece tão tímido nas relações sociais hoje em dia... Muito grata a todos vocês. Até um dia quem sabe!

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