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Chico Buarque: o que há "Apesar da você"?



Apesar de você é, segundo Chico Buarque, "uma dessas músicas políticas ou músicas de protesto", lançada em uma época em que a censura já era pesada com as artes de maneira geral, mas sobretudo a música e o teatro. Vejamos nessa postagem o que podemos apreender a respeito.

O que sabemos é que o regime militar no Brasil endureceu sobremaneira a partir de dezembro de 1968, quando foi lançado o Ato Institucional 5 (AI 5): a censura passou a ser mais intensa com os adversários políticos e os "subversivos". Começava então uma nova etapa na vigia dos atos, diferente de antes, quando, por exemplo, pairava certa tolerância e até incentivo às várias formas de cultura no Brasil.  

Editado pelo então presidente Arthur da Costa e Silva, ele deu ao regime uma série de poderes para reprimir seus opositores: fechar o Congresso Nacional e outros legislativos (medida regulamentada pelo Ato Complementar nº 38), cassar mandatos eletivos, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, intervir em Estados e municípios, decretar confisco de bens por enriquecimento ilícito e suspender o direito de habeas corpus para crimes políticos.(2)


Folha de S. Paulo (dez/1968)

E é justamente nesse cenário, após 1970, que Chico Buarque voltou do exílio, com notícias de que as coisas por aqui haviam melhorado. Se tornaria ao contrário um dos alvos favoritos dos censores, sobretudo porque, como vimos, gostava de comentar sobre o sistema político em voga. 

Papel importante então coube à música Apesar de você (mas não só a ela claro) lançada em compacto simples nesse mesmo ano de 1970, tendo vendido 100 mil cópias. Por causa do teor de sua letra seria proibida de ser tocada nas rádios brasileiras. Só seria liberada 8 anos depois, já no Governo Geisel, quando foi incluída no álbum Chico Buarque(3).


Álbum Chico Buarque (1978)

A música daria muito o que falar na década seguinte e além. Além disso, quando foi incluída no disco acima, recebeu a ilustre companhia de outra "perseguida", a famosa (e famigerada) Cálice, dos "filhos da outra", afinal do que valia naquele momento ser "filho da 'santa'". No mesmo álbum ainda sobrou espaço para uma homenagem à malandragem, com um lembrete do "malandro candidato a malandro federal", enfim, a "nata da malandragem".

Seria longo demais tratar de toda o histórico das influências, usos e reações gerados pela música aqui, nos bastando tomá-la como ponto de apoio para seguirmos o caminho que iniciamos há pouco, aquele de mostrar como Chico Buarque havia sido perseguido pelos ditadores do Brasil.




Uma pausa para entrarmos na sala de aula...

Convém-nos, talvez, uma pausa para pensar seu uso fora do universo "puramente" político. Tomando-a como objeto de conhecimento ou de promoção do mesmo, nossa música bem que pode ser de grande utilidade, se inserida em seu contexto, nas aulas de História (e áreas afins). Com ela os alunos poderiam refletir sobre alguns momentos especiais da história brasileira, quando por essas bandas arbitravam as forças ditatoriais, contrárias às manifestações do livre pensamento. Onde também, do outro lado, resistiam alguns à opressão e apesar dela sonhavam um “outro dia”, com “água nova brotando / e a gente se amando sem parar”. 

E mesmo que tempos atrás Chico Buarque tenha se defendido aos censores, dizendo que na verdade ela falasse de caso de desentendimento entre um casal, sempre poderemos ligá-la às ideias de justiça social e liberdade através de seus versos incisivos, torcendo para que o “outro” seja julgado por seus abusos, como quem diz que “você vai se amargar, vendo o dia raiar, sem lhe pedir licença”.

É interessante pensar ainda uma aula onde se utilize a escrita biográfica. Sugeriria aí, para nos ajudar, o estudo das biografias proposto por Vavy Pacheco Borges, em seu Grandezas e misérias da biografia(4). Ali ela nos diz que a maioria da produção desse gênero é problemática - especialmente por seus vícios ufanísticos (e porque não fanáticos) ou sensacionalistas, mas que se analisada criticamente oportuniza uma reflexão a partir do micro que leva a um entendimento do macro-espaço. 

Assim podemos pensar em suas possibilidades de abordagem, sua fecundidade, e seus limites também, afinal, sem um cuidado por parte do professor/pesquisador, pode-se incorrer na não-construção (ou coisa pior) com os alunos, fazendo simples narrativas de fatos sucedidos cronologicamente, apologias da personalidade ou uma execração sem fundamento. E aí nada nos impediria, numa aula bem pensada, de analisar com os alunos as metáforas aplicadas nas músicas do cantor, que também escreve obras literárias, ou mesmo as ironias, também inseridas por vezes nas letras por ele escritas.

Mas, então devemos ainda nos perguntar: o que significaria falar de Chico Buarque de Hollanda afinal? Em que este cantor se relacionaria com o universo em que estão inseridos os nossos alunos? Algumas dentre tantas outras questões a que o professor deve se por a refletir antes de chegar em sala de aula com uma música que pode simplesmente ser vista como “antiga”, “chata” ou, até mesmo que nada contribua para as discussões.

Aula encerrada (ou quase isso)...

Mas, voltando à música Apesar de você, especificamente, bem poderíamos ainda discutir por muito tempo questões políticas, perpassando as “relações de poder” que compuseram o universo social da época, chegando até às práticas culturais e os graus de envolvimento e compreensão por parte dos agentes da sociedade brasileira da época. Na miríade de possibilidades, não faltariam ainda as relações comerciais e negociações, enfim o fator econômico, que envolveria os órgãos de censura por parte de empresários e representantes de gravadoras. 

Seria interessante também, se não tiverem por enfadonho nesse momento, pensar o "outro dia" proposto na música. Afinal, a ditadura acabou (embora alguns digam que nem tanto assim) e a democracia tomou assento no trono da legalidade brasileira, para nos abrir ao Neoliberalismo e todas suas mãos, "invisíveis" ou nem tanto.

O fato, e eis o nosso fim (ufa!), é que não precisamos encerrar (mais? risos) por aqui ou nos limitarmos também à essa música. Afinal, o repertório "buarquiano" é extenso e outras letras nos poderia fazer pensar, ainda que com outras palavras, rimas, metáforas, trocadilhos, ironias, sons... 

REFERÊNCIAS:

(2) FOLHA DE SÃO PAULO. O AI 5: http://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/ai5/
(3) Disco "Chico Buarque" (1978): http://pt.wikipedia.org/wiki/Chico_Buarque_(1978)
(4) BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. in PINSKY, C. B.. Fontes históricasEd. Contexto, 2005.

Outras fontes:

Notas sobre "Apesar de você": http://www.chicobuarque.com.br/letras/notas/n_apesarde2.htm
Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Apesar_de_Voc%C3%AA

* Originalmente postada em 9/ago/2014.

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2 Comentários

  1. Acho interessante essa analogia das músicas de Chico e o momento político que ele vivia. Transferir essa analogia para o romantismo é, para mim, uma forma de deixar a situação com um tom ameno e dizer que apesar de tudo temos o dom de amar nas adversidades.

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    1. Isso mesmo Magdinha. Ele sempre consegue ser artista/político/escritor/humano...

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