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Como é ser pesquisador no Brasil? [ou um desabafo de um recém doutor] | José A. Fernandes




Quem me conhece sabe que terminei meu doutorado recentemente. Por isso quero compartilhar algumas considerações sobre a experiência de pesquisar no Brasil!

Claro que no meu caso se trata de Ciências Humanas, especificamente História, mas muita coisa serve para qualquer área das ciências. Primeiramente, muita gente até hoje vê pesquisa como "estudo", ou seja, o pesquisador supostamente "não trabalha". Isso é uma grande injustiça com as centenas de milhares de cidadãos brasileiros que dedicam (ou seria melhor dizer ABDICAM de) suas vidas por um tempo para produzir materiais relevantes e importantíssimo a partir de pesquisas. 

Pesquisas essas que são deveras árduas, que requerem paciência, disposição (física e mental), foco e muita solidão! Solidão, aliás, é uma palavra que acompanha qualquer pesquisador, especialmente quando falamos de mestrado ou doutorado. Se tem um ser que se isola, se torna mesmo antissocial durante seu trabalho, é o pesquisador. Abrimos mão de amigos e família, de momentos de confraternização e de festas, porque temos que cumprir prazos, temos que produzir artigos e temos que participar de eventos acadêmicos.

Só que essas ações do pesquisador requerem dinheiro! Eventos, viagens, coletas de documentos, testes e experimentações para serem feitas geram gastos pessoais muitos, tais como locomoção, hospedagem e alimentação. Aí que tá o problema, pois, além dos valores das bolsas que nos dão não serem reajustados à muito tempo, vivemos num momento de insegurança financeira. Confesso que em muitos momentos, especialmente nos últimos dois anos, eu não sabia nem mesmo se ia ter dinheiro pra comer e pagar as contas de casa. Não sabia se minha bolsa ia cair na conta no começo do mês. Vivemos numa fase tão tensa que eu que pensava em abandonar meu concurso aqui em Santa Catarina no início do processo pra "viver só pro doutorado", tive que rever meus planos e manter algumas horas de aula, que me dessem segurança durante e depois de terminar a tese.

Em geral, atualmente se tem dito que a pesquisa no Brasil é um gasto alto, que precisa ser contingenciado, "precisa-se economizar". Bom, nenhum país sério e bem resolvido - incluindo todos os bem desenvolvidos - abre mão de investir em pesquisa e educação. Nem quando estão vivendo crises econômicas fortíssimas! Em nosso caso, especialmente, que é das Humanas, nós geramos infinitamente menos gastos que outras áreas, especialmente as Exatas e Biológicas. Mas, mesmo assim, temos ouvido dizer por aí que damos muito gasto, que usamos o dinheiro das bolsas só para fazer "balbúrdia". Nesses últimos meses de minha pesquisa eu não sabia se ria ou se chorava com essa situação. Nunca li tanto, nunca fiquei tantas noites sem dormir, nunca tive tantas crises de ansiedade quanto nesse processo de doutoramento. E mesmo assim, vivi na insegurança. Só agora em setembro/outubro pareceram surgir notícias menos desfavoráveis no cenário nacional.

Bom, de qualquer forma, como eu disse, eu terminei. Agora sou um doutor. Mas isso não me deixa tão aliviado assim. Penso nos muitos colegas que ainda seguirão pesquisando e escrevendo suas teses e dissertações. Muitos dos quais sem ter perspectiva de bolsa. Muita gente nem vai mais querer "entrar na pós", por causa do medo de não conseguir terminar. Vivi em momentos favoráveis para a universidade pública brasileira: na graduação tive duas Iniciações Científicas - que ajudaram a pagar os meus muitos miojos e cafés, porque meus pais nunca puderam me ajudar -; fiz mestrado com bolsa e tive a "sorte" de conseguir bolsa também no doutorado. Mas, não sei se os que entram daqui em diante terão muito o que esperar. No fim, muitos farão "por amor" à pesquisa, como dizia uma gerente de educação daqui da minha região. Outros desistiram da caminhada - ou durante a caminhada. Em outro sentido, no meu caso, mais essa vez, não sei nem o que esperar, já que nem concursos tem-se a perspectiva de abrir no ano que vem. O que é mais uma coisa a desmotivar os pretendentes a pesquisadores.

Nessas horas, penso como é triste ser pesquisador no Brasil: um país onde educação é vista como gasto, não investimento!


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