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Historiadores em Perfil: Ciro Flamarion Cardoso




Ele é um dos mais importantes historiadores brasileiros do século XX. Teve uma grande contribuição na discussão de diversos temas sobre a América, o Brasil, a Antiguidade, o Egito e ainda nos estudos de teoria e método de pesquisa em História.

Ciro Flamarion Santana Cardoso nasceu em Goiânia, Goiás, em 20 de agosto de 1942, e morreu no Rio de Janeiro, em 29 de junho de 2013. Sua vida acadêmica foi muito fértil, tanto em termos de sua prática docente como de sua produção bibliográfica, sendo respeitado por muitos, ainda que divirjam de suas ideias. 

Ele começou sua trajetória como aluno na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras (FNFi) da Universidade do Brasil (UB), como na época era chamada a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por essa época, atuou ativamente no movimento estudantil, já com sua visão marxista, herança do pai, portanto, anterior à sua entrada na universidade. 

Graduou-se no Brasil, mas, em meio à Ditadura Militar, foi doutorar-se na França, na Université de Paris X, sob orientação de Frédéric Mauro, conhecido e respeitado estudioso da História Econômica da América Latina e do Brasil. O tema da tese de Ciro Flamarion, defendida em 1971, foi La Guyane française (1715-1817): Aspects Économiques et Sociaux - Contribuition à l´Étude des Sociétés Esclavagistes d´Amérique (A Guiana Francesa (1715-1817): Aspectos Econômicos e Sociais - Contribuição ao Estudo das Sociedades Escravistas da América).



Como professor ele atuou numa infinidade de universidades, numa trajetória iniciada já no ano de sua formação na graduação, 1965, quando a convite da professora Maria Yedda Linhares, catedrática de História Moderna e Contemporâneadeu aulas da matéria no Curso de Graduação em História da agora UFRJ - mesmo sem ter vínculo formal com a instituição. Depois disso, deu aulas na Universidade Católica de Petrópolis (UCP), como substituto do professor Francisco Falcón. Também atuou em 1970, quando ainda fazia doutorado na França, como professor contratado na Université Paris VIII. 

Daí em diante, antes de voltar ao Brasil, passou por diversas outras universidades na Costa Rica e no México. Depois de sua volta ao país, a partir de 1979, ele atuou na Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tendo ido, finalmente, no mesmo ano para a Universidade Federal Fluminense, onde ficou até seus últimos dias.

Como ele próprio gostava de se definir, era um "historiador multifaces", ou "não monotemático", que transitou por diversos temas diferentes, em todos eles com alguma contribuição importante. Segundo o doutorando Douglas Carneiro, ele era "um estudioso ímpar. Combatente.  E  não adepto aos modismos da ciência histórica"Mantendo sempre presente sua posição como marxista e fazendo farto uso do Materialismo Histórico, sua produção incluiu a Antiguidade - o Egito, mais especialmente -, a América e o tema da escravidão, tendo desenvolvido o conceito de "modo de produção escravista colonial", e, enfim, incluiu ainda suas muitas reflexões sobre teoria e métodos de pesquisa em História. Tudo isso gerou algumas dezenas de livros e uma centena de artigos em revistas.

Sobre a Antiguidade, uma de suas grandes paixões, ele lançou uma infinidade de livros e artigos, além de contribuir na formação de linhas de pesquisa, grupos de pesquisa e, claro, de muitos pesquisadores. 

Entre os livros que lançou a respeito do assunto, tem-se o número 36 da série Tudo É História, intitulado  O Egito Antigo, de 1982; além dele, publicou O Trabalho Compulsório na Antiguidade, de 1984, A Cidade-Estado Antiga, de 1985, Sociedades do Antigo Oriente Próximo, de 1986, Antiguidade Oriental: Política e Religião, de 1990, Sete Olhares Sobre a Antiguidade, de 1994, e Deuses, Múmias e Ziggurats: Uma Comparação das Religiões Antigas do Egito e da Mesopotâmia, de 1999. 


 egito antigo livro
O livro O Egito Antigo, lançado 
na série Tudo É História

Especificamente sobre seu conceito de "modo de produção escravista", travou um amplo debate com Fernando Novais. Debate que colocou de um lado a "escola paulista" e de outro a "escola carioca", em torno da questão de se deveríamos entender o Brasil colonial como uma extensão do poder metropolitano português ou se deveríamos entendê-lo como uma formação social própria. O debate girava em torno da questão de se a explicação deveria ser centrada na questão do exclusivo colonial, portanto, na circulação de mercadorias, ou na determinação das relações de produção.

A respeito da América, ele publicou em 1977 o livro Centroamérica Y La Economía Occidental (1520 - 1930), em parceria com Hector Pérez Brignoli - com quem, aliás, teria uma parceria bastante frutífera nos anos seguintes. Por exemplo, ainda com este publicaria em 1979 Historia Económica de América Latina: o volume 1 com o título Sistemas Agrários e Historia Colonial e o volume 2 com o título Economías de Exportación y Desarrollo Capitalista

No mesmo ano publicou também, sozinho, Agricultura, Escravidão e Capitalismo. Dois anos depois sairiam os livros A Afro-América: a Escravidão no Novo Mundo e América Pré-colombiana - esses dois também pequenos manuaizinhos da coleção Tudo É História. Seguindo nessa mesma linha, seriam publicados ainda O Trabalho na América Latina Colonial, em 1985, Escravo ou Camponês? O Proto-Campesinato Negro nas Américas, em 1987, Escravidão e Abolição no Brasil: Novas Perspectivas, em que foi organizador em 1988, e, em 1999, finalmente, a sua tese La Guyane Française (1715-1817).

Uma segunda polêmica na vida acadêmica de Ciro Cardoso teria sido travada com a terceira geração da Escola dos Annales. Entendia ele que essa terceira seria um desvio na trajetória original das duas primeiras gerações - duas gerações com as quais ele próprio teria tido algum diálogo, afinal estudou na França. Seria esse um "desvio filosoficamente irracionalista", que historiograficamente levava à "fragmentação do conhecimento histórico". Nesse sentido ele travou debates com a História das Mentalidades, assim como criticou a História Cultural e também combateu a Pós-Modernidade.



Ciro Flamarion Cardoso foi importante para ensinar muita gente a pesquisar no Brasil - pelo menos nas fases iniciais -, desde uma época em que a bibliografia sobre métodos e teorias em português era mais rara. 

Se inseriria nesse sentido, sua posição de que a História é uma ciência. Sua cientificidade estaria no método, não no objeto como pensam muitos historiadores, especialmente os seguidores da terceira geração dos Annales. Como explica a historiadora Anna Gicelle Alaniz, comentando o livro Uma Introdução à História de Ciro Cardoso, ele nos diria que "o historiador seleciona o objeto ou o fato, recorta, trabalha, segue uma teoria ou outra, mas o caráter científico da História está no método e como ele é aplicado. E no momento em que o historiador aplica o método, ele segue procedimentos e seguindo procedimentos ele está realizando um corpo de saber científico". Daí não se poder pensar a História como ciência nos moldes clássicos do século XX, do Positivismo especialmente, limitados que eram em sua visão do que era ciência.

Ainda em torno dos métodos, Ciro Flamarion deixou outros escritos importantes. A começar pel'Os Métodos da História, que publicou em 1976, em parceria com Héctor Brignoli, pela primeira vez em espanhol, quando ainda morava fora do país. Trata-se de um verdadeiro "manual de operação", dedicado especialmente aos iniciados na pesquisa, que deu ênfase à História Econômica, Demográfica e Social. Apesar de uma mudança de rumos, que colocaram - injustamente a meu ver - a História Econômica num "patamar secundário" entre os campos de estudo, o livro ainda é muito interessante atualmente.

Também com Brignoli lançou El Concepto de Clases Sociales: Bases Para una Discusión (1977). Em 1981, "em carreira solo" lançou o já referido Uma Introdução à História. Depois disso, em 1988, lançaria Ensaios Racionalistas. Quase dez anos depois lançaria o livro Narrativa, Sentido, História (1997). 

No mesmo ano, em parceria com Ronaldo Vainfas, um de seus muitos ex-orientandos, lançaria um dos clássicos do tipo, até hoje muito procurado por quem faz pesquisa: Domínios da História. Trata-se de uma obra coletiva de peso (inclusive peso físico, já que tem 408 páginas), que procura colocar os interessados à par das mais recentes discussões em termos de teoria e metodologia. O objetivo é traçar um panorama atualizado dos vários campos de investigação da História, com os principais conceitos e as polêmicas que se fizeram presentes na história das disciplinas e da pesquisa indicando caminhos e dilemas atuais do saber historiográfico.

Tal foi o sucesso da obra que ganhou uma continuação, que em 2011 saiu com o título Novos Domínios da História. Dessa vez, novos territórios são explorados como, por exemplo, a “nova história militar”, a “história do tempo presente” e a “micro-história”. A par dos novos territórios trilhados pelos historiadores, foram incluídos neste volume  (também denso) alguns domínios muito tradicionais, quase canônicos, que têm sido objeto de renovação nas últimas décadas, como a chamada “nova história política”, a “biografia histórica” e a “história das relações internacionais”.

Antes mesmo de saírem os Novos Domínios, em 2005, seria lançado Um historiador fala de teoria e metodologia: Ensaios. Nele constam doze ensaios de Ciro Cardoso, em que ele discute questões como espaço e tempo na pesquisa, o pós-modernismo, a historiografia ocidental, a história dos pensamentos que definem a episteme de suas épocas e temas de teoria e método, além da importância da relação entre “sociedade” e “cultura”. Tais temas são abordados de forma crítica e até polêmica, pois ele elenca argumentos sólidos contra a concepção de “pós-modernidade” e apresenta alternativas para escaparmos dos "neoconservadorismos contemporâneos".



Por fim, pode-se dizer, sem muita novidade, que Ciro Flamarion Cardoso era um polemista, passando a vida sem entender o porquê de as pessoas não compreenderem (e saberem fazer) os debates aqui no Brasil, ou melhor, entenderem as provocações como ataques pessoais, o que empobrece o diálogo, a produção e difusão de conhecimentos e ideias.

Bom, por enquanto é isso. Caso queira saber mais sobre esse autor, além das muitas discussões em torno de métodos no Brasil em diversos que com frequência fazem referência à ele, dos muitos livros de sua bibliografia listados abaixo, de algumas palestras suas e de outros a seu respeito no YouTube, há um site feito em sua homenagem: www.cirocardoso.com

Os livros desse autor:

Los Métodos de La Historia. Iniciación a los Problemas, Métodos y Técnicas de la Historia Demográfica, Económica y Social (1976) - obra conjunta com Hector Pérez Brignoli / edição em português com o título Os Métodos da História

El Concepto de Clases Sociales: Bases Para una Discusión (1977) - obra conjunta com Hector Pérez Brignoli

Centroamérica Y La Economía Occidental (1520 - 1930)(1977) - obra conjunta com Hector Pérez Brignoli


Agricultura, Escravidão e Capitalismo (1979)

Historia Económica de America Latina, Volume I - Sistemas Agrários e Historia Colonial (1979) - obra conjunta com Hector Pérez Brignoli







A Cidade-Estado Antiga (1985)





Antiguidade Oriental: Política e Religião (1990)


Sete Olhares Sobre a Antiguidade (1994)

Narrativa, Sentido, História (1997)


Deuses, Múmias e Ziggurats: Uma Comparação das Religiões Antigas do Egito e da Mesopotâmia (1999)


A Ficção Científica, Imaginário do Mundo Contemporâneo: Uma Introdução ao Gênero (2003)



Semiótica do Espetáculo - (2013, lançado após sua morte) -organizado em parceria com Claudia Beltrão da Rosa


Livro destaque desse autor:
 livro domínios da história
Domínios da História
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