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Os irmãos Rebouças, o Paraná e a erva-mate | José A. Fernandes

 


Muitos já sabem sobre os negros que fizeram história no Brasil, como os irmãos Rebouças. Nesse post vamos conhecer um pouco sobre a relação deles com o Paraná e com a erva-mate!

Os irmãos Antônio e André Rebouças, eram negros, filhos de um advogado e conselheiro de Dom Pedro II; eles eram netos de ex-escravos alforriados e portugueses, nasceram na Bahia, mas foram radicados no Paraná. Eles se tornaram na segunda metade do século XIX destacadas figuras paranaenses, em um tempo em que ainda vigorava o regime escravista no Brasil. Eles são partes de uma história de sucesso, de talento, exceção em um tempo em que a regra era ter brancos em destaque. 

Sua ligação com as terras paranaenses são muitas, destacando-se seu papel na transformação “de uma província ainda em construção”, na escolha de Curitiba como capital, na construção do chafariz na Praça Zacarias, em Curitiba, da Estrada da Graciosa, da Ferrovia Paranaguá-Curitiba (considerada a maior obra da engenharia férrea nacional) e do Parque Nacional do Iguaçu. 

Em meio a isso tudo isso, contamos ainda as suas participações em questões envolvendo a erva-mate, que então era o principal produto provincial, o “ouro verde” do Paraná. Dentre as obras apontadas acima, as construções da Estrada da Graciosa e da Ferrovia Paranaguá-Curitiba foram muito importantes para a circulação e o escoamento do mate. Além disso, como representante paranaense, Antônio Rebouças esteve em feiras nacionais e internacionais, onde levou especialmente o mate. Da mesma forma, o outro irmão, André, também esteve envolvido nessas feiras, onde fez observações que contribuíram para repensar a maneira como se apresentava o mate ao público e que marcariam sua história desde então.

Especificamente em relação a essa última questão, o mercado do mate vinha crescendo e ganhando cada vez mais importância em meados do século XIX, mas seu consumo era restrito quase que exclusivamente à Argentina, ao Uruguai e ao Chile, os chamados mercados tradicionais. Os governos paranaenses já começavam a projetar então a expansão de seu consumo em novos mercados. Acontece que imperavam o uso dos surrões de couro no transporte, acondicionamento e apresentação do mate. Nesse sentido, André Rebouças passou a criticar tal uso, imputando-lhe boa parte da responsabilidade pelo insucesso na conquista de novos mercados, especialmente naquele momento o mercado europeu. 

De André é a famosa frase, reproduzida pelo grande Temístocles Linhares, de que “Não se vai a um baile com a mesma roupa que se vai ao campo”. Sim, para André Rebouças, por mais que se quisesse preservar os aspectos “culturais” e “tradicionais” de acondicionamento do mate, não se podia fazer isso em mercados tão exigentes como o europeu, portanto, deviam lhe “trocar a roupa”.

E há que se dar razão a ele. Mesmo que não se concorde com o eurocentrismo e se questione o sentido de superioridade dos europeus, então em voga e tão influente no Brasil, as grandes potências daquelas bandas, que compravam café, por exemplo, e que poderiam comprar mate, não o faziam, por não terem o costume, por não se sentirem atraídas, por lhes faltar apelo, inclusive visual.

No velho continente o mate era pouquíssimo conhecido, quando muito de se ouvir falar. Ainda assim, quase sempre como planta medicinal, vendida em boticas. Quando aparecia em feiras internacionais, “vestido” em surrões de couro, o mate era visto com espanto, como algo exótico, ou como diz Rebouças, como algo “bárbaro”. A solução seria então, dizia ele, pensar-se em novas formas de apresentação, caso se quisesse ter sucesso na expansão de seu consumo. É nesse sentido que se liga aos irmãos Rebouças, especialmente André, a adoção das barricas de madeira no Paraná, que foram acompanhadas pelas ricas obras litográficas que se difundiram grandemente nas décadas finais do século XIX. 

Concordamos então com ele, com a necessidade de se apresentar melhor o mate. Mas, nesse ponto, devemos relativizar a afirmação da responsabilidade exclusiva de Rebouças para a adoção das barricas, pois segundo Linhares, para isso concorreu também o aumento do preço do couro, comparado com o preço da madeira. Por outro lado, é claro que não podemos fazer como o mesmo Linhares e tirar todo mérito de André Rebouças. O que devemos fazer é entender que uma coisa “casou” com a outra: a necessidade de mudança com a conjuntura favorável apresentada por um preço menor da madeira em relação ao couro.


O certo, para não nos delongarmos muito mais, é que os irmãos Rebouças, além de inúmeras contribuições para a formação do Paraná de forma geral – que inclusive rendeu nome de bairro em Curitiba, o nome de uma cidade do estado e muitas outras homenagens em grandes cidades brasileiras –, eles também contribuíram para melhor pensar o mate, o seu trato, os cuidados, e sem dúvida a forma como ele passaria a ser apresentado ao público. Melhor apresentado nos mercados tradicionais da América do Sul (Argentina, Uruguai e Chile) e nas tentativas de propaganda que seriam feitas ao longo do século XX na Europa e nos Estados Unidos – que, nestes últimos casos, se não deram certo, já envolve uma série de outras questões. 

Os irmãos Rebouças nos deixaram um legado, com questões importantes que foram pensadas ao longo das décadas passadas e ainda devem ser mais bem estudadas por nós no presente, caso queiramos ter sucesso no enriquecimento da apresentação do nosso mate.

Mas, já que mencionamos no início o fato deles serem afrodescendentes, podemos completar esse passeio lembrando o papel especialmente de André Rebouças no movimento abolicionista. Após a morte do irmão Antônio em 1874, muito abalado, ele resolveu tomar parte em sociedades empenhadas na luta contra o trabalho escravo no país, ajudando a fundar algumas delas. Nesse movimento esteve lado a lado com outras figuras de destaque, como Machado de Assis e Olavo Bilac. André Rebouças, uma exceção em meio à regra de exclusão dos negros, foi um dos representantes da classe média brasileira com ascendência africana e uma das vozes mais importantes em prol da abolição, que só viria, finalmente, em maio de 1888...

Assista ao nosso vídeo sobre a história da erva-mate!
Se estiver recebendo no e-mail e não conseguir ver o vídeo, clique aqui.

Aproveite para conhecer os projetos da exposição Matte Cultural e do Matte'n'Roll, clicando nos banner abaixo!


El mate
Javier Ricca
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Se desejar usar esse texto de alguma forma, cite a fonte. Plágio é crime!

* As fotos dessa postagem foram retiradas da internet: as fotos dos irmãos Rebouças não tem sua autoria reconhecida por nós (caso saiba a autoria, favor nos avisar); a imagem das folhas de mate usada no banner é de autoria do Baldo; as imagens históricas de mate são do blog Caetano José Munhoz.

** Foto no topo: revista "Raído" - UFGD.

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