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A abolição da escravidão no Brasil, uma breve história



 A emancipação dos negros escravizados no Brasil foi lenta, só ocorrendo através de intensas lutas abolicionistas. Esse post é uma breve história desse processo, que se intensificou na segunda metade do século XIX e terminou com a Lei Áurea de maio de 1888.


O processo de abolição da escravidão no Brasil foi lento, aos tropeços, com enorme resistência das elites agrárias, possuidores da “mercadoria” escravo. 

Desde o período colonial, houve uma crítica à escravidão negra. Mas isso foi raro, além de terem sido reprimidos aqueles que se manifestavam contra. Houve nesse sentido a contribuição das ideias iluministas, para criar impasses em relação à mesma. Especialmente as ideias liberais, dos direitos naturais, da importância do cidadão, dentre outras problemáticas que passaram a gerar cada vez mais desconforto.

Especialmente entre aqueles leitores que tinham acesso à literatura iluminista aqui no Brasil, então proibida por seu potencial de subversão da ordem estabelecida. 

As ideias iluministas foram muito influentes nos eventos que ocorreram ao longo do mundo nos séculos XVIII e XIX. A começar pelas revoluções, tanto a de independência dos Estados Unidos, como também a Revolução Francesa, que lançou novas bases, inclusive como a definição da burguesia como classe política ativa e o advento dos direitos do homem e do cidadão.

Nesse sentido, a escravidão negra enquanto instituição foi sendo questionada, dando resultados ao redor do mundo, com a defesa do trabalho livre e a abolição do trabalho escravo. Embora os Estados Unidos tenha mantido a escravidão, a Guerra Civil (1861-1865) representou seu fim definitivo e também ajudou a pressionar os governos brasileiros.

Só o Brasil, ou as elites proprietárias brasileiras, seguiam defendendo firmemente a escravidão, como instituição inseparável da economia do Segundo Reinado. É nesse sentido que nosso país seria o último na América a abolir o trabalho escravo. E fez isso, como já adiantei, de forma bem lenta.


Houve resistência da parte da elite, desde o comprimento do que podemos considerar o primeiro grande passo no processo. A lei baixada em 1830 de extinção do tráfico de escravos da África para o Brasil. Lei que foi sem efeito, tendo antes aumentado o número de escravos vindos para o Brasil nas décadas de 1830-1840. A resistência foi vencida apenas em 1850, com a Lei Eusébio de Queiróz, ainda assim por uma pressão enérgica da Inglaterra. País que recém tinha feito sua revolução industrial e que se considerava o baluarte da economia liberal.

Segundo Emília Vioti da Costa, em seu livro A Abolição, "o Brasil tinha se tornado, de certa forma, uma colônia britânica em decorrência de sua dependência econômica em relação à Inglaterra ".
Isso desde a transferência da corte portuguesa para o Brasil, quando favores começaram a ser feitos. Favores que foram sendo modificados em certos pontos após a Independência, em 1822, mas que nunca acabaram com a influência inglesa.


Além disso, a Inglaterra foi importante para o reconhecimento da independência e também como emprestadora para os governos brasileiros. Por tudo isso é que a Inglaterra estava em uma posição que lhe permitiu fazer grande pressão para o fim do trafico negreiro.

Assim é que, mesmo com a resistência brasileira, a questão ficou cada vez mais em voga e se mostrou inadiável. Tendo sido, então, aprovada a Lei Eusébio de Queiroz de 1850.

Mas, a questão no Brasil não era simples - embora desumana. Alternativas foram tentadas pelos proprietários para se suprir de escravos depois do fim do tráfico, ou substituí-lo por mão de obra livre. Foi feita uma primeira tentativa de introdução de imigrantes europeus, em um sistema de parceria, que no, entanto, falhou. Além disso, houve ainda um aumento no tráfico inter e intraprovincial de escravos. Ao qual os escravocratas do Nordeste resistiram, mas não conseguiram impedir.

Houve um grande aumento dos preços dos escravos. Mas, isso não inibiu sua compra por parte dos cafeicultores do Centro-sul, dada à expansão verificada na produção e nos lucros da economia cafeeira – economia que então sustentava as finanças brasileiras.


Nesse cenário, é que, por um lado, ganhou força o movimento abolicionista; de outro lado, seguiram muito devagar as discussões nos âmbitos oficiais (da parte de deputados, senadores, ministros do Império e do próprio Imperador Dom Pedro II). O movimento abolicionista ganhou força, sobretudo, a partir da década de 1850, passando a atuar de diferentes formas, tendo apoio de diferentes camadas sociais, especialmente urbanas, mas também rurais.

Há uma evolução constante nas lutas pela emancipação dos escravos e pela abolição; assim como há a evolução lenta dentro das instituições oficiais brasileiras, entre as quais tem um papel importante a ação dos políticos liberais. A questão na esfera oficial vai passando com o tempo de um descaso total, para uma vista dos fatos, até se tornar questão inevitável. Embora tenha sido adiada a questão por causa da Guerra do Paraguai. Guerra que acabou sendo depois importante para o processo, envolvendo, por exemplo, a liberdade dos negros que combateram.


É justamente na década de 1870 que inaugura-se uma nova fase do movimento abolicionista, voltando com tudo a questão nas instituições oficiais, embora com reações e conservadorismos. De qualquer forma, há um clima de apreensão por parte dos proprietários de escravos e de renovado entusiasmo dos que lutavam pela emancipação dos escravos.

É nesse cenário que aparece o projeto que daria origem à Lei do Ventre Livre. Lei que foi aprovada como medida para tentar silenciar o movimento abolicionista. Assim como também para manter o "equilibro" e não alarmar os proprietários, dando a entender que a emancipação total só se daria num futuro bem distante, dando tempo deles se readequarem à nova realidade.

Ela prometia a liberdade dos filhos de escravos, mas mediante indenização após os 8 anos e, sem indenização, aos 21 anos. Ou seja, manteria o jovem praticamente como escravo até que chegasse aos 21 anos. Assim como manteria os filhos que esse viesse a ter; num ciclo que só terminaria, possivelmente na terceira década do século XX.

Mesmo limitada, a lei foi ainda burlada e fraudada por parte de proprietários. Da mesma forma, o Fundo de Emancipação, criado pela mesma lei, teve pouco efeito, tendo garantido a alforria de muito poucos escravos.

A coisa só foi mudando como resultado da “marcha da história” nacional, ou seja, mudanças na economia, nas estruturas e também nas relações, assim como na composição social. É nesse sentido que temos as mudanças provocadas pela ferrovia, que barateou os transportes e liberou mão de obra. Assim, como ocorreu um declínio da população escrava, que caiu tanto em termos absolutos como relativos (em relação ao total da população livre). Houve aumento dos trabalhadores livres, sobretudo na zona urbana. Houve mecanização na produção, o que também liberou trabalhadores e alterou o ritmo de produção.

Tais fatores foram tornando mais vantajoso o trabalho livre. Além do fato de os escravos se tornarem cada vez mais caros e mantê-lo muito mais oneroso. Houve ainda um importante crescimento da economia, que criou novas e diversas oportunidades de inversão de capital. Tais como bancos, companhias de seguros, estradas de ferro e diversas outras empresas. Nesse sentido que cresceu a imigração europeia, especialmente de italianos, assim como, em menor número, de japoneses.


Logo veio então o projeto da Lei dos Sexagenários. Houve alvoroço em torno do projeto apresentado pelo Ministério Dantas. Houve tentativas, discussões, até, finalmente ser aprovado, mas já mutilado em relação às suas ideias inicias. A Lei libertaria os negros que completassem 60 anos, mas o ex-escravo deveria trabalhar mais 3 anos para pagar a indenização do seu ex-dono. Imaginem o efeito limitado na população, dada a baixa expectativa de vida dos escravos – e mesmo da população em geral no século XIX!

De qualquer forma, o movimento abolicionista na se contentou e só fez crescer. Nele então participaram personagens famosos, a exemplo de Luiz Gama, André Rebouças, de Joaquim Nabuco, Antônio Bento, dentre outros. Assim como houve também a participação de um sem número de heróis anônimos. 

Ocorreram os diversos movimentos insurrecionais, de grupos como os Caifazes em São Paulo ou Clube do Cupim de Recife. Houve fugas; amparo aos fugidos; insurreições e confrontos com senhores; perseguição e busca por parte dos capitães do mato; acolhida por parte das sociedades abolicionistas; defesa nos tribunais por parte de advogados abolicionistas.


Esses diversos movimentos seriam fundamentais para o resultado final, muito mais que as discussões e decisões oficiais. Movimentos populares, de “brancos”, negros livres e escravos que ocorreram aos montes e se somaram aos diversos outros fatores que falei (mudanças econômicas, sociais, políticas...). É assim que chegamos ao início de 1888, especialmente ao dia 13 de maio, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

Lei definitiva, que acabou com a escravidão no Brasil, mas que não foi um ato de bondade. Mas que só veio, como disse na época o Presidente da província de São Paulo, "selar um fato consumado". O que se seguiu foi uma “conclusão dos fatos”, mas que não teve continuação. Assim como muitos que defenderam a abolição da escravidão, não se interessaram em cuidar da sorte dos libertos, se sentiram satisfeitos. 

A abolição não foi a solução definitiva, nem resolveu a situação da população que deixou de ser escravizada. A maior parte dos ex-escravizados, aparentemente, se acomodaram rapidamente à vida de homens e mulheres livres. Faltaram depois medidas oficias, ações de amparo, investimento na educação e formação dos novos libertos e seus filhos. Com diz Emília Viotti da Costa, "depois da abolição os libertos foram esquecidos"

Princesa Isabel

O que contribui até hoje para as desigualdades sociais, raciais e econômicas, sem falar no racismo persistente e enraizado em nosso país. O Brasil não se tornou uma "democracia racial", como quis dar a entender Gilberto Freyre em seu Casa Grande e Senzala; o que aconteceu foi um desinteresse pelos ex-escravos e uma permanência estrutural do racismo, como nos diz Silvio de Almeida.


Em Costas Negras
Manolo Florentino
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Referências

Emília Viotti da Costa, A Abolição


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