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A sociedade envolvente e as comunidades tradicionais

 


As sociedades estão em constante transformação, assim como as culturas não são imutáveis. O problema é como essas são impactadas por sociedades envolventes e que detêm o poder. É disso que falo nesse post sobre comunidades indígenas e quilombolas.

A realidade brasileira (ou de qualquer outro país) é múltipla, formada por elementos dos mais variados e diversos. Além do fato de como qualquer país, dentre outras coisas, ser uma criação social e geopoliticamente imposta pelos grupos que determinam territórios, possibilidades de ação e reação e impõe os elementos culturais que constituem o país (tais como a língua, os costumes, as leis)
A questão cultural nesse caso é sempre afetada e impactada pela sociedade que a envolve. Isso acontece com as comunidades indígenas, assim como acontece com as comunidades quilombolas.
Com os indígenas, o intercâmbio cultural, voluntário ou forçado, vem desde o chamado "descobrimento", que foi seguido por uma conquista cruel e destrutiva. Desse momento em diante, passou a acorrer pressões sobre as culturas indígenas, assim como uma aculturação generalizada - sem falar no genocídio de séculos, por guerras ou por doenças. 
Essas culturas indígenas, por certo não eram estáticas, mas passaram a ser bombardeadas pela cultura dita "branca"; ainda que as culturas indígenas também tenham influenciado os adventistas europeus em diversos costumes (como o uso das redes e o ato de fumar tabaco) e elementos linguísticos, a exemplo da toponimia presente no Brasil atual. 
Mesmo que não fossem estáticas, as culturas indígenas foram combatidas por clérigos e laicos, que viram nas suas formas de organização social e religiosidades, elementos ameaçadores à ordem que se pretendia estabelecer ou como cultos ao diabo.
Comunidade indígena Nazaré, do Piauí
Os africanos que para cá vêm também são transformados, em geral de forma brutalmente imposta. Seus corpos são violados, sua cultura e religião são atacadas como heresia e coisa demoníaca. Com os indígenas e os europeus eles vão sendo misturados, miscigenandos, mesmo que sem querer, para formar o que Darcy Ribeiro chamou de povo brasileiro. 
Tanto indígenas como africanos e afro-brasileiros vão sofrendo o impacto da civilização branca europeia, que se sente superior, por ser branca e "civilizada". No primeiro caso, até começo do século XX se acreditou que os erroneamente chamados de "índios" estavam desaparecendo, precisando do trabalho dos indigenistas (Marechal Rondon, Darcy Ribeiro, os irmãos Villas Boas...) e, claro, do protagonismo dos próprios indígenas para provar que eles estavam vivos. 
O movimento indigenista em "defesa" dos indígenas, com muitos erros, mas também fatos positivos (somado à ação dos próprios indígenas), foi importante para mudar, ainda que em parte, a sua realidade, incluindo-os pela primeira vez como parte da nação brasileira na Constituição de 1988.
O que não acabou com a luta indígena, com os preconceitos e a negação de seus direitos à terra. Grilagem de suas terras, invasões, destruição e genocídio (com o aval e apoio não declarado - ou declarado - do Estado). Numa mistura de progressos e retrocessos, o mal feito por séculos ainda não foi reparado, mesmo que nesse ano de 2023 tenha surgido uma nova esperança com a criação Ministério dos Povos Indígenas
A situação dos afro-descendentes é mais complexa, envolvendo desde o racismo estrutural até a exclusão sistemática dos postos de mando e de ação. Só para ficar com o exemplo das comunidades quilombolas, é possível se perceber algumas situações de destaque. Podemos falar, por exemplo, na perseguição sofrida por aqueles que não aceitam a sua existência, vendo seus moradores como "vagabundos" e "sanguessugas" do dinheiro público - o que aliás se diz também dos indígenas.
Os moradores quilombolas ainda sofrem com a atração exercida pela sociedade envolvente. Sem querer dizer que seja a mesma coisa, podemos ver semelhanças com os indígenas que moram parte de áreas urbanas; ou ainda os nordestinos que desde o século XIX, pelo menos, tem rumado para o Sudeste para conseguir uma "vida melhor" ou ter acesso às "modernidades".
Essa situação gera uma série de problemas: desde a crise de identidade, que leva ao suicídio de jovens indígenas; até a sedução pura de um novo mundo apresentado como "melhor" e mais "luminoso", que em geral esvazia comunidades, gera o luto, e impactam as culturas tradicionais.
Lembremos que não existe cultura imóvel. Mesmo assim, a sociedade envolvente capitalista bate forte em sociedades tradicionais, que muitas vezes são tidas pelos citadinos como "atrasadas" e "pobres". Essa pressão pela adoção do "novo" e "moderno" martela nas cabeças em formação de adolescentes e jovens indígenas e quilombolas.
Embora seja difícil mensurar - mesmo por meio de censos oficiais -, o certo é que tudo isso tem afetado e transformado a realidade desses povos tradicionais. Basta uma busca por pesquisas científicas atuais para perceber que esses mundos estão passando por dramáticas transformações, em boa medida influenciadas por crises culturais e sociais.    

Dica de livro:
Mulheres quilombolas 

Assista a uma resenha do livro O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro!
Se estiver recebendo no e-mail e não conseguir ver o vídeo, clique aqui.

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